Isabel Santa Clara, Horinzonte Móvel - Artes Plásticas na Madeira 1960-2008, Museu de Arte Contemporânea do Funchal|2008
HORIZONTE MÓVEL
Partiram do litoral da orla que empurra os homens para diante, para o aquático chão de mistérios e desastres
(José Agostinho Baptista)
Numa ilha é impossível não dialogar com o horizonte, essa fronteira que levamos agarrada à nossa frente e que, para uns, circunscreve sufocantemente o mundo ao que a vista abrange, enquanto para outros cria um microcosmos protegido, sem que daí resulte qualquer inquietação. Entre ficar, partir e regressar, provisoriamente ou não, as pessoas vão-se também definindo pelo modo como se relacionam com o horizonte, por aquilo que fazem para o manter móvel ou estático.
As artes plásticas são um domínio bem sensível a esse diálogo com o resto do mundo, e os anos 60 em Portugal (anos de ruptura, como são designados na exposição que a Fundação Gulbenkian lhes dedicou, sublinhando assim a vertente de célere mudança) foram marcados por uma grande diversidade de experiências, pela radicalização de opções estéticas, pelo acerto com as tendências internacionais potenciado pelas migrações de artistas para Paris, Londres e Munique. A actividade desta Fundação contribuiu fortemente para dinamizar o panorama artístico português e o eco dessa vitalidade chega ao Funchal através de algumas exposições, das quais recordamos uma itinerante da colecção de arte contemporânea da Gulbenkian, em 1962 1.
Começam a surgir no Funchal galerias atentas à contemporaneidade, embora de curta vigência como a Tempo, em 1964, e depois a Mundus. A primeira, Galeria de Artes Decorativas da iniciativa do arq. Rui Goes Ferreira e do escultor Amândio de Sousa, trouxe figuras como Jorge Pinheiro, José Rodrigues, Ângelo de Sousa e Júlio Resende. A segunda trouxe à cena, a partir de 1966, novos valores como António
1 Foi feito um levantamento das exposições realizadas no Funchal por Carlos Valente para o período 1910-1995, e por Gualter Rodrigues para o período 2000-2006 (ver bibliografia). A dissertação de mestrado de Carlos Valente, infelizmente ainda inédita, onde colhemos a maior parte dos dados veiculados neste texto, constitui a primeira achega sistemática para o conhecimento da vida cultural na Madeira do século XX.
Nelos, Humberto Spínola, Silvestre Pestana, Ara Gouveia ou Danilo Gouveia, na sua maioria com experiências no domínio da abstracção. Este último manteve-se neste registo ao longo do seu percurso, com uma vasta obra que aguarda ainda um estudo mais aprofundado.
Numa iniciativa da Delegação de Turismo, patrocinada também pela Junta Geral do Distrito e pela Câmara Municipal, é realizada a I Exposição de Arte Moderna Portuguesa, em 1966, em que foi atribuído, por um júri que integrava os mais destacados críticos de arte nacionais, o Prémio Cidade do Funchal a Guarda- Nocturno, de Joaquim Rodrigo, e prémio de aquisição a Artur Rosa e Nuno Siqueira. A 2a edição, em 1967, premiou desta vez António Areal e fez mais algumas aquisições, que permitiram formar o núcleo inicial do que veio a ser o actual Museu de Arte Contemporânea do Funchal.
Exposições individuais de António Areal em 1966 e 1967, na Quinta das Cruzes, intensificaram o contacto com a produção artística nacional e, em 1970, houve ainda a rara possibilidade de ver, através da Colecção Stenersen, obras de Picasso, Miró, Vieira da Silva, Appel, Klee, etc.
No campo do ensino artístico, é de salientar a criação, faz agora 50 anos, de cursos superiores de pintura e de escultura na Academia de Música e Belas Artes da Madeira (AMBAM), idênticos aos das Escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto que, pesem embora todas as condicionantes inerentes a este tipo de ensino e às características do meio cultural, congregaram uma série de vontades e contribuiram inegavelmente para a formação tanto de novos intervenientes, como de fruidores mais informados e atentos. No início dos anos 70 é possível sentir uma vontade de mudança em algumas das presenças nas exposições escolares de alunos da AMBAM (1970 e 1972) bem como as colectivas que o Cine-Forum Juvenil dinamizou (1970 e 1971), que juntaram alunos desta escola e outros jovens que então se iniciavam.
A instituição que dá continuidade a este trabalho é o Instituto de Artes Plásticas da Madeira2, que a partir de 1977 instalado na Rua da Carreira 56, ganha novo alento.
2 A Academia de Música e Belas Artes da Madeira era uma instituição privada, que funcionou como tal
de 1957 a 1976, data em que foi oficializada. Em 1977, é criado o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, que lhe dá continuidade, iniciando então também um curso de Design. Com a integração na Universidade da Madeira, em 1992, passa a designar-se Instituto Superior de Arte e Design; em 1997, Secção Autónoma de Arte e Design; em 2004, Departamento de Arte e Design.
Exposições, colóquios e a criação da revista Espaço-Arte, publicada entre 1977 e 1995 e policopiada com meios rudimentares, reflectem a dinâmica que foi possível criar nesses anos, sobretudo a partir de meados da década de 80. Uma certa continuidade foi conseguida com a realização das Jornadas do ISAPM, a partir de 1986, momentos de encontro e reflexão em torno de diversos temas da contemporaneidade artística. Adstrito a esta intituição funcionou ainda um Atelier Livre, a partir de 1977, que permitiu profícuo diálogo entre alunos e outros inscritos.
Estratégias de grupo levam à formação da Circul’arte, Associação de Artistas Plásticos da Madeira, em 1986, à frente da qual esteve José Júlio Castro Fernandes, que contou, entre as suas iniciativas algumas mostras importantes, a primeira das quais integrada na MARCA/Madeira de 1987, e datando a segunda de 1989. Deu assim oportunidade a desenvolvimento de projectos, a realização de debates e de cursos de curta duração, e proporcionou ainda espaço de atelier, cujo funcionamento perdura até aos dias de hoje.
O Cine Forum organizou algumas exposições relevantes, como uma
retrospectiva da pintura de António Aragão datada de 1957 a 1965, a de René
Bértholo, em 1980, ou a de Marcelo Costa na sala de Congressos do Casino Park em
1981.
O pós 25 de Abril traz, tal como no resto do país, uma primeira fase de
agitação e debate, a que se seguem alterações intitucionais. No campo das artes tomam nova dinâmica as Actividades Culturais da Câmara Municipal do Funchal e é criada a Direcção Regional dos Assuntos Culturais, que na área da arte contemporânea vem apoiar diversificadas iniciativas e cria o Núcleo de Arte Comtemporânea, embrião do actual Museu de Arte Contemporânea, inaugurado em 1993.
A crescente produção das décadas de 80 e 90, com leva à activação de galerias, como a Quetzal, em 1981, a Funchália, entre 1989 e 1994 e a Porta 33 a partir de 1990.
Num registo completamente diferente, de cariz mais radicalmente experimental, ganham força práticas de poesia visual e de mail art relacionadas com a electrografia. A abertura da primeira loja Xerox no Funchal, é uma nova oportunidade que agarram António Aragão, António Dantas e Eduardo Freitas, entre outros,
entusiasmados pela liberdade de produção de múltiplos com rapidez e baixo custo, e pelas capacidades técnicas da máquina. A possibilidade de interagir com esta durante o processo potencia novos modos de comunicar, cortando com as tecnologias tradicionais de produção de imagens. Surge assim Filigrama, Mail-Art Zine editada entre 1981 e 1983, revista de folhas soltas, que ia sendo sucessivamente alterada na sua composição e era enviada pessoalmente através dos circuitos internacionais da mail art, que passavam muito especialmente pelo Brasil.
Outro campo experimental abre-se com o computador, conforme narra Evangelina Sousa3: “1 de Julho de 1985. Nas instalações do antigo ISAPM, à Rua da Carreira 56, inaugura-se a exposição computer art, talvez a primeira do género em Portugal. Os trabalhos expostos, meus e do Professor Jorge Marques da Silva, tinham em comum duas características: eram imagens animadas por computador através de código da nossa autoria; e eram apresentados nos próprios computadores, tendo por suporte visual o monitor. De carácter puramente experimental, estes trabalhos exploravam o computador (recentemente tornado acessível a todos), como ferramenta e suporte de expressão plástica. Programação não era uma opção: era o único meio disponível de comunicação com essas máquinas”.
As experiências do domínio da instalação ensaiaram-se nos circuitos mais restritos do edifício do ISAPM, à Rua da Carreira, ao longo dos anos 80, e alargaram- se depois a outros espaços contrariando a neutralidade das galerias, e explorando as potencialidades da site-specificity. Lembremos Uma exposição com pintura e tudo, de Isabel Santa Clara, realizada em 1990 no espaço da torre da Casa-Museu Frederico de Freitas, que colocava a pintura na sua relação com a fotografia e com a palavra, mas sobretudo na sua particular articulação com um espaço específico e a sua história4; Escada de Jacob, no mesmo espaço em 1993, de Teresa Jardim, Lígia Gontardo, Domingas Pita e Eduardo de Freitas; Trindade Vieira, em 1993, Peixe Espada Preto, instalação com fotografias a preto e branco, na Galeria da Zona Velha, Funchal ou, também dele, a instalação na galeria Inquisição em 2000; Ilhas de Babel 1996 e 2001 Galeria em Grande-exposição — colectiva de pequeno formato na galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura organizada por Teresa Jardim; no Salão Nobre do Teatro Municipal e na galeria da SRTC várias intervenções tiveram esse cunho, protagonizadas por Guilhermina da Luz, Ricardo Barbeito, Carmen Silva, Bruno Corte. Este último realizou diversas instalações com efémeras construções e plantações, numa particular derivada de alguns aspectos da land art.
3 Catálogo da exposição Dois Mundos, Sala de Exposições da Universidade da Madeira, 2008
4 Esta atitude manifestou-se também em posteriores exposições suas como Espaços em Volta, numa das salas do Museu de Arte Contemporânea em 1996 e Atrás do vento, na Edicarte, em 2000.
Diversas intervenções nos espaços do Museu de Arte Contemporânea, como Afinal eram Pássaros de Bruno Côrte e Rute Pereira, em 2000 ou, na antiga cadeia do Forte de S. Tiago, Juras que me incendeias o coração ou uma difícil decisão cerebral de Eduardo Freitas em 2005. Já na Casa da Cultura de Câmara de Lobos, em 2007, foi possível ver Semear ainda compensa de Teresa Jardim e Domingas Pita.
António Dantas alarga os trabalhos de electrografia às virtualidades do in situ, caso da exposição Impressões, na galeria Porta 33 em 1996. Também aí merece particular destaque, neste âmbito, Largo do Canto do Muro, de Rigo na galeria Porta 33, em 1994, tanto pelo modo como convocava a riqueza da toponímia e a sua vivência de lugares específicos da Madeira, como pelo modo de subverter a noção de interior/exterior.
Algumas instalações interessantes ocorreram em espaços desactivados, casas ou armazéns, como a Casa Azul, na Rua da Carreira, em 2002, ou num armazém da Rua da Alfândega, em 2005, All Paper de Fagundes Vasconcelos; e no ano seguinte Representantes de Quarto, reune Fagundes Vasconcelos e Filipa Venâncio na futura Casa Ser Criança, à Rua da Carreira. Mais recentemente, em 2007, uma outra colectiva, Quartos Vagos, na Rua 5 de Outubro, proporcionou um estimulante confronto de linguagens.
A criação de Casas da Cultura e Centros Cívicos e Culturais, infraestruturas físicas criadas sem preocupação pelas infraestruturas mentais, ou seja, na sua maioria carecidos de projecto cultural, de agentes com formação específica e de meios para a prossecução dos projectos. Excepção feita à Casa da Cultura de Santa Cruz nos anos 90, sob a orientação de José Baptista e de António Rodrigues, a iniciativas de Paulo Sérgio de Câmara de Lobos e, muito especialmente ao trabalho de Luís Guilherme na Casa da Cultura da Calheta, a Casa das Mudas, que esteve na origem da criação Centro das Artes, hoje em tempo de inflexão.
A instituição do Prémio Henrique e Francisco Franco por este Centro, em parceria com a Câmara da Calheta, evento bienal iniciado em 1999, veio incentivar e dar visibilidade à produção artística de residentes. Ao longo das sucessivas edições integraram o júri nomes como Alberto Carneiro, Isabel Carlos ou Alexandre Melo o qual, no catálogo do 3o concurso, considera ser este “a consagração de uma iniciativa que se tem revelado como eficaz e renovador ensejo de exercitar um olhar panorâmico sobre realidades actuais da criação e experimentação artística na Madeira”. Entre prémios e menções honrosas destacaram-se Desidério Sargo, Bruno Corte, Rute Pereira, Paulo Sérgio Beju, Duarte Encarnação, Susana Figueira, Graça Berimbau, José Manuel Gomes, Francisco Clode, Eduardo Freitas, Pedro Clode, Patrícia Sumares, Dina Pimenta, Luísa Spínola, etc.
Por iniciativa de Silvestre Pestana, António Dantas e António Barros, lançando a ponte a novas gerações e recorrendo a novos e actualizados meios de experimentação surge, a partir de 2001, um colectivo cujo nome, What is watt?, anuncia o denominador comum entre os participantes: a referência à mediação da energia eléctrica na concepção, produção e apresentação da obra, indissoluvelmente ligada a uma interrogação, ou seja, a uma atitude experimental e reflexiva em torno das relações entre arte e novas tecnologias, bem como das linguagens daí decorrentes 5.
É pois com todos estes antecedentes, apenas superficialmente aflorados no presente texto, que se alicerça a exposição Horizonte Móvel. Já em 1999-2000, com a mostra 20 anos de Artes Plásticas na Madeira, realizada também no Museu de Arte Contemporânea do Funchal e comissariada pelo então director Francisco Clode de Sousa, por Isabel Santa Clara e por Carlos Valente, se fazia um balanço dos finais do século XX.
5 Ver http://whatiswatt.org. A edição de 2001, realizou-se no Museu de Electricidade, a edição seguinte dispersou-se por este espaço, o do Museu de Arte Contemporânea e a sala de Exposições da UMa, no Colégio dos Jesuítas. As edições de 2005 e 2007 optaram por concentrar-se no Museu de Arte Contemporânea. Na 1a edição participaram, além dos nomes acima referidos, Carlos Marques, Carlos Valente, Catarina Pestana, Celeste Cerqueira, Evangelina Sirgado, Pedro Clode, Vítor Magalhães; nas edições seguintes, e para mencionar apenas os elementos que nasceram ou viveram na Madeira, entram ainda António Aragão, António Nelos, Carlos Caires, Celso Xavier, Fagundes Vasconcelos, Gilberto Gouveia, Hugo Olim, Nídia Freitas, Pedro Pestana, Ricardo Barbeito.
Para além das exposições de periodicidade bienal no Funchal, o grupo apresentou-se também em 2006 no Forum da Maia e foi convidado a participar na XIV Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira, em 2007. Está prevista nova edição em 2009.
As escolhas para a actual mostra estão condicionadas por vários factores extrínsecos aos critérios de selecção, em primeiro lugar as limitações físicas do espaço do Museu de Arte Contemporânea, os estragos do tempo e as dificuldades de localização e de recuperação das peças, quantas vezes feitas sem pensar que o amanhã poderia vir a trazer curiosidade por elas. Quanto aos critérios, esses decorrem necessariamente de uma perspectiva, ou seja um ponto de vista pessoal, que leva a valorizar aquelas realidades com que lidámos mais de perto, com todas as lacunas que isso implica. Tais lacunas são a marca da biodiversidade que, nesta como noutras áreas, é apanágio dos seres vivos. Muitas outras escolhas seriam e são possíveis e desejáveis, complementando assim o que agora se pode ver. Houve também uma preocupação em não se sobrepor a outros projectos já em curso: no início do próximo ano, por exemplo, teremos a oportunidade de ver uma exposição que reflectirá o que foi a primeira década de funcionamento da AMBAM. O seu título, Preâmbulo, assume essa primeira etapa como um tempo de sementeira, sem o qual nada frutifica. O trabalho dos premiados no concurso Prémio Henrique e Francisco Franco também poderá ser visto em breve no Centro das Artes, dando assim a nota de actualidade necessária.
Um primeiro núcleo abre a exposição Horizonte Móvel recordando obras esquecidas ou inéditas de Amândio de Sousa, Marcelo Costa e Maria do Carmo Ramos Silva. Amândio de Sousa, conhecido pelas suas peças de escultura pública de que se destaca a Alegoria aos Poderes da Assembleia Regional, no Funchal, ou a peça em betão cujo rigor geométrico contrasta com a fluidez de uma cortina de água, na rotunda da Ponta do Sol, concebeu estas esculturas-objecto, nos finais dos anos 60. Devem ser vistas como protótipos para múltiplos a realizar em fibra de vidro, material leve e resistente, de acabamento apurado, que facilitaria o manuseamento e daria plena expansão ao seu carácter combinatório e lúdico. Estão conceptualmente próximas das experiências objectualistas e optam pelo colorido franco apropriado por alguma escultura da década de 60.
Marcelo Costa, arquitecto de profissão, exercitava a imaginação através do desenho, das colagens, da criação de objectos, alguns motorizados, ou de pequenos textos de ficção. Às vezes pequenas anotações escritas, incluidas ou não nos próprios desenhos, deixavam pistas insuspeitadas, como esta: “no macro desenho verifica-se que as letras têm origem no copado das árvores”. Um festivo apelo cénico atravessava todas as suas actividades, sem se deter, e os desenhos aqui apresentados são apenas um pequeno testemunho dessa diversidade de campos de manobra.
A peça de Maria do Carmo Ramos Silva, que foi aluna da AMBAM, surge como uma das primeiras experiências, a nível local, de escultura em fibra de vidro, que marca a perda de hegemonia dos materiais tradicionais e traz para o campo das artes as possibilidades abertas pelos materiais desenvolvidos para a indústria.
Ainda neste núcleo, seguem-se trabalhos de Jorge Marques da Silva, Élia Pimenta. Maurício Fernandes, Celso Caires, Guilhermina da Luz, Evangelina Sirgado e José Manuel Gomes, docentes da AMBAM e depois do ISAPM, e ainda de Alice de Sousa. A peça de Jorge Marques da Silva joga com o conceito de memória na era do computador, contrapondo a memória ROM e a vivencial, numa assemblage que sinestesicamente convoca também o olfacto, esse sentido mais primitivo que impregna a memória indelevelmente. Evangelina Sirgado mostra as experiências mais antigas feitas a partir do computador, tomado como ferramenta e como suporte da expressão plástica.
Um outro núcleo incide sobre a vertente experimentalista que nas décadas de 70 e 80 sacudiu o panorama artístico de forma peculiar. No centro desta actividade está a multifacetada figura de António Aragão, de inesgotável disponibilidade para com os novos modos de fazer, tanto quanto para com os novos talentos, cujas inquietações e inconformismos lograva canalizar para uma profícua experimentação artística.
A poesia visual está aqui representada sobretudo por uma selecção de peças de António Aragão, António Nelos e António Barros. O primeiro desenvolveu a sua actividade em várias frentes, cruzando a história, a literatura e as artes plásticas. As últimas obras de Aragão, em técnica mista e colagem são, de alguma forma, a síntese do seu percurso, já que recuperam a ligação à palavra, tanto no uso de papéis impressos como na força desconcertante dos títulos, o informalismo, o gosto pelo lado matérico da pintura, e o humor corrosivo que atravessava os seus textos e conversas.
A selecção de peças de António Barros permite sentir o seu fascínio pela desconstrução da linguagem, num estirar do sentido em todas as direcções, a sua capacidade de subverter do mesmo modo os objectos mais quotidianos e sisudos, seja eles um par de óculos, um sapato, ou uma gravata. Também deixa ver mais directamente a efeverscência do pós 25 de Abril em peças como Revolução e Escravos.
De Silvestre Pestana está presente uma peça insuflável, formalmente depurada, marcando abertura ao uso de materiais não tradicionais. A vertente performativa, que foi protagonizada sobretudo por este artista e por Ção Pestana, é aqui evocada por um pequeno apontamentos dos trabalhos desta última, cujo percurso diversificado inclui também o vídeo.
Os trabalhos de Rigo, de intervenção crítica social, reflectem a vivência urbana na multiculturalidade dos Estados Unidos, e os de Rui Carvalho um imaginário pessoal narrado com grande espontaneidade e um quase barroquismo.
Um terceiro núcleo, mais heterogéneo cobre o final do século XX e o início do XXI, com alguns exemplos marcantes de afirmação de linguagens pessoais.
Inevitavelmente, e por motivos bem diferentes uns dos outros, ficam nesta exposição algumas ausências. Notórias, por exemplo, no caso de figuras como Lourdes Castro, ou de Marta Teles. Esta última tem, presentemente na Sala de Exposições Temporárias da Casa-Museu Frederico de Freitas um conjunto de peças que reune as do acervo do Museu de Arte Contemporânea e outras de colecções particulares, dando uma visão de conjunto que não faria sentido desfazer. A ausência de Lourdes Castro decorre, por um lado, das características do seu trabalho, que exige um despojamento, um silêncio em sua volta, que não se coaduna com os confrontos de linguagens de uma exposição deste tipo e, por outro, tem a ver com a sua postura reservada que importa respeitar. Lamenta-se, no entanto, a escassa visibilidade que tem tido na Madeira a sua obra6.
De fora ficaram ainda os nomes mais conhecidos da escultura pública do Funchal que prosseguiram as linguagens da escultura monumental e comemorativa, como Ricardo Veloza, com vasta obra dispersa pela região, como ficaram de fora também muitos e muitos outros artistas, entre os quais alguns novos que têm vindo a trabalhar com persistência e consistência, Carla Cabral, Desidério Sargo, Bruno Côrte, Cristina Perneta, Pedro Berenguer, Martinho Mendes, etc., etc. Tudo leva a crer que irão de manter o horizonte móvel, o olhar atento e a curiosidade intacta.
6 Para além de algumas peças esporadicamente integradas em exposições colectivas, apenas foi possível ver uma exposição individual em 1955 no Clube Funchalense; em 1977 As Cinco Estações,
teatro de sombras, no Teatro Municipal do Funchal; em 1980 O grande herbário de sombras, na Direcção Regional dos Assuntos Culturais. Os seus trabalhos que estavam na sede dos CTT da Avenida
Zarco desapareceram do contacto com o público, aquando da última remodelação deste espaço.
Bibliografia
FERNANDES, Mafalda Sofia de Sousa, Vida e obra do escultor Maurício Fernandes, (1951-2001), Universidade da Madeira, trabalho para a disciplina de Arte e Cultura Regionais, 2006 (policopiado).
RODRIGUES, Gualter, O catálogo de exposições temporárias de arte, 2007, trabalho realizado para a disciplina de Metodologias de Investigação do Curso de Mestrado em Arte e Património do Contemporâneo e Actual, (levantamento das exposições realizadas entre 2000-2006, policopiado).
RODRIGUES, José Gualter Nóbrega, Rigo: artista plástico activista, conceptualista, Dissertação de Mestrado, Universidade da Madeira, 2008.
SAINZ-TRUEVA, José; VERÍSSIMO, Nelson, Esculturas da Região Autónoma da Madeira. Inventário, Funchal, DRAC,1996.
SANTA CLARA, Isabel, «Porta 33», Artes & Leilões n°22 Out/Nov 1993.
SANTA CLARA, Isabel; VALENTE, Carlos, «(Re)visões acerca do Ensino artístico na Madeira», Arte Ibérica no38, Agosto 2000.
VALENTE, Carlos, As Artes Plásticas na Madeira (1910-1990), Dissertação de Mestrado, Universidade da Madeira, 1999.
(Foram ainda consultados numerosos catálogos de exposições individuais e colectivas, que não cabe aqui enumerar).
Periódicos
Atlântico (de 1980-1995)
Comércio do Funchal ( de 1967-1975)
Das Artes e da História da Madeira (1950-1972)
Diário de Notícias
Espaço-Arte (1977-1995)
Islenha (a partir de 1980)
Jornal da Madeira
Recursos online
http://emanueldesousa.blogspot.com/
http://guidaferraz-gf.blogspot.com/
http://po-ex.net/
http://trindadevieira.blogspot.com/
http://triplov.com/pestana/ (Silvestre Pestana)
http://whatiswatt.org/
http://www.anamnese.pt (Bruno Côrte, Duarte Encarnação, Emanuel de Sousa, Hugo Olim, Lourdes Castro, Ricardo Barbeito, Susana Figueira) http://www.arsreactiva.com/ (Duarte Encarnação) http://www.brunocorte.blogspot.com/
http://www.hugoolim.com/
http://www.porta33.com/ (Rui Carvalho) http://www.quartosvagos.blogspot.com/
http://www.ricardobarbeito.com/
http://rb-pensatempos.blogspot.com/ (Ricardo Barbeito) http://www.senhoresdebeijacu.com/ (Susana Fugueira) http://www.teresagoncalveslobo.com/
http://www.zedosbois.org/rigo/ (Rigo) http://os-novelos-tambem-contam-historias.blogspot.com/ (Pedro Berenguer)
Isabel Santa Clara Catálogo da exposição Horizonte móvel: Artes Plásticas na Madeira 1960-2008,
Funchal 500 anos, Museu de Arte Contemporânea-Fortaleza de S. Tiago, pp. 5-11.