Ana Luisa Janeria, Herbarium Oficcinalis, Galeria Serpente|2012
Da oficina com a natureza ao ofício da cultura
“ A mundividência ocidental entendeu a existência, dos humanos às circunstâncias naturais, consignando maiúsculas às palavras Homem e Natureza, numa vénia que induz um gesto de reverência, pela energia envolvida na passagem da potência ao acto. Na verdade, os indivíduos integram-se num universo lógico de dependências, com diferenças específicas, provindas do Uno; como a cadeia ontológica prolonga entidades que hierarquizam entre o Ser e os entes. ... E das quais decorria uma posição de maior entendimento e domínio efectivo sobre os fenómenos ou “segredos da Natura”. Situação que fragilizava os “sábios da Escritura”, na expressão lapidar inscrita em Os Lusíadas (1556?) de Luís Vaz de Camões (1524-1580). ... Entretanto, a ideia de Natureza mantinha a ligação ao étimo do que nasce, num ritmo onde génesis equivalia a gerado, pelo que nem o Renascimento nem a Reforma tinham questionado o conceito de Criação e marcas respectivas, dos seres criados por Deus aos produtos da poiética, entre a arte e a literatura. Situação que começou a ser abalada pelo naturalismo do séc. XVIII, numa sequência de gestos e de ritmos, onde a racionalidade imperativa passou a deslindar unidades materiais separadas do vínculo anterior.”
Sendo este nosso tempo a guarda avançada deste processo, não surpreende que estejam a emergir sinais de outras posturas que enunciam a necessidade de ter presente como a NaturaCultura tem das suas art(es)imanhas, por isso requerendo formas de proximidade com tempos de atenção, sensibilidade às diferenças, requintes na minúcia = lentidão.
Seja o levantar com o sol para preparar o solo calmamente, a delicadeza da pinça a manipular o insecto a dissecar ou o matizado minucioso sobre a tela. No campo, laboratório, atelier. Diga-se, mesmo, que no cume da sabedoria estará um pé-ante-pé persistente, firme, ousado... com afecto.
De facto, a pressa a que nos habituaram outros ritmos – a que muitos chamam de modernos tanto quanto indicadores de progresso – não se tem mostrado a mais adequada, também neste particular.
Cultor da atenção, diferenças e minúcia, Bruno Côrte consagra-se e consagra a permanência continuada de uma atitude atenta, que, natural e não paradoxalmente, oferta um des-velar da natura naturans desdobrada.
São os perfis lineares que enunciam requebramentos de folhas
as repetições de sacos de sementes feitas por quem os encadeia lado-a-lado, sem acaso e com escolha de cores
os caules imperceptivelmente presentes, pertença de segmentos florais que deles necessitam, mas mais parecem pairar no ar
essas quase chitas, respigadas por uma tradição que lembram, a quem chora, a alegria de um povo que as acolheu no trajar
E é a sala-continente
que pela profundidade ajuda a mostrar:
o espaço da oficina
o rigor do oficiante
e a qualidade do HERBARIUM OFFICINALIS
- de facto servindo para phármacon -
como exterior da NaturaCultura dobrada em interior.
Herdade do Freixo do Meio, Fevereiro de 2012
Professora Associada com Agregação em Filosofia das Ciências Secção Autónoma de História e Filosofia das Ciências
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Rua Ernesto de Vasconcelos
1749-016 Lisboa
Co-fundadora, primeira coordenadora e actualmente investigadora
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL) Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral
Calçada Bento da Rocha Cabral, 14
1250-047 Lisboa
janeira@fc.ul.pt
1 Ana Luísa Janeira - A memória no estar do mundo. In Ana Luísa Janeira; Ana Maria Haddad Baptista, “A memória entre a Europa, a Ásia e a América”, Lisboa, Apenas Livros, 2009.