Isabel Santa Clara, Linha de Partida, Centro das Artes - Casa das Mudas|2009
Linha de Partida
Shiretoko Rausu Mountains, Hokkaido é uma sequência de quarenta fotografias de paisagem, recolhidas através de câmaras web fixas e sempre do mesmo ângulo, entre Julho de 2008 e Janeiro de 2009, como um registo diarístico. Tal dispositivo permite apanhar o fluir do tempo, tanto nas variações das horas do dia, como das estações do ano, ou das intervenções humanas na paisagem. Faz ressaltar as diferenças de cor, de luz, de condições atmosféricas e permite também esquecer a distância, viajar virtualmente. Um outro aspecto não menos significativo é a atitude de apropriação das imagens e dos instantes.
Esta sequência de fotografias dialoga com outra peça, Landscape Delivery Service, que reduz a paisagem a uma impossível portabilidade, numa mesa de serviço contendo uma miniaturização de montanhas plantada com milhã, a crescer ao longo dos dias de exposição.
No seu conjunto, estas peças perseguem as utopias da captar o efémero, de anular a distância e de transportar a paisagem. Tal demanda de diálogo / confrontação com a natureza, têm vindo a ser ensaiada por Bruno Côrte desde os tempos da sua formação, que passou pela Licenciatura em Pintura pela Universidade da Madeira, em 2000, pelo curso de Ilustração no ARCO em 2005, e incluiu ainda uma passagem pelo Centro Internacional de Escultura de Sintra, em 1998, para trabalhar em pedra. Como incentivos assinala-se os Prémios “Henrique e Francisco Franco” do Concurso Regional de Artes Plásticas da Madeira, Centro das Artes/Casa das Mudas (1o Prémio em 2001 e 2o em 2003). Não menos importante terá sido a Bolsa de Viagem Henrique Silva (Bienal de Cerveira 2008), que o levou ao Japão.
Os seus primeiros trabalhos, expostos desde 1997, são imbuídos já de uma atitude de recolector, onde folhas, flores, sementes, são alvo de atenção, pelas suas qualidades formais e temáticas e pela carga metafórica da sua fragilidade. De início representados, são depois incorporados numa pintura de espaços definidos com a regularidade de um agricultor, numa paleta em que predominam as terras.
A par da pintura, uma série de trabalhos in situ com plantações de trigo, milho, lentilhas, aveia ou tremoço, de que se destacam a instalação Afinal eram pássaros no Museu de Arte Contemporânea do Funchal em 2000 e Landscape room (Teatro Municipal Baltazar Dias, 2002). Esta paisagem inventada para um interior obrigava de novo a coabitar o natural da extensão plantada e o fabricado das estruturas cúbicas em ferro.
Private underground (Museu de Arte Contemporânea do Funchal 2003), criava espaços por onde o espectador se podia deslocar, por entre pequenos montes cobertos de relva e tectos de folhas.
Sementes e outras naturezas (Galeria Serpente, Porto, 2004), evidenciava o engenho das sementes, e abrigava- as numa precária protecção de blocos de parafina com pigmento incorporado. A captação tautológica da peças pela fotografia registava e reforçava a tentativa vã e incessantemente retomada de reter a efemeridade das coisas.
Chlorophyll Room, (Ração para animais, Museu de Arte Contemporânea do Funchal, 2008), recorria a uma relação entre registo fotográfico e presentificação da natureza. Numa sala pintada de verde, mostrava-se uma natureza domesticada, com uma estufa onde se alinhavam vasos de mangueiros, enquanto outras estufas estavam fotografadas em paisagens desoladas (Landscape series). As luvas de jardinagem (Glove series), reportando-se aos cuidados continuados da vida em viveiro, concentravam as cores e os padrões que são apanágio das flores. Imperava uma artificialidade explícita que não impedia, no entanto, o natural crescimento das plantas.
Em suma, o percurso de Bruno Côrte (ver http://www.brunocorte.com e http://www.anamnese.pt) tem vindo a ser construído no questionamento da nossa sempre mediada relação com a (segunda) natureza, com os tempos de maturação e de caducidade e com a memória do efémero.
Professora na Universidade da Madeira, Centro de Arte e Humanidades, Doutorada em História da Arte
isabelsantaclara@gmail.com